Quinta-feira, 2 de Abril de 2009

O catavento

          Afinal o que é um "catavento" na política local? Fomos ao dicionário e com a ajuda da história, descobrimos dois episódios da década de 1890 que podem desfazer algumas dúvidas. Apesar dos cataventos estarem a desaparecer das torres das igrejas, há mais de cem anos que na nossa terra se faz política da mesma maneira. E ainda há quem diga que a tradição já não é o que era…

 

          CATAVENTO: Bandeirinha, geralmente de ferro ou de folha que, enfiada numa haste, indica a direcção dos ventos.

 

          Quando os oficiais de pedreiro deram a nova torre da igreja do Alqueidão por acabada, quiseram à viva força, que o Padre-Cura espetasse o “galo” lá bem no coruto. Acedeu, de boa vontade o Padre Afonso, ao desejo dos artistas e satisfê-lo imediatamente, trepando pelo andaime com o ”galo” na mão.
          Aquele gesto era o culminar de uma desavença com uma tal Joana, mulher indecente, que pretendia fazer casa de “pouco mais ou menos” em frente da igreja. A obra logo foi embargada, mas a mulher, informada de que se, numa noite, levantasse paredes em que a cantaria ficasse de pé, levava a sua avante, vai, deita mãos à obra e realiza a orientação que lhe deu algum advogado ou vereador municipal mascarado de mafarrico. Como vêem, era boa “bisca”! E, ainda por cima, jogava com ás e rei!
          Depois da obra feita, Joana fez surriada, tocou berimbau e gaita, e riu-se. Riu-se mas não foi a última. O Padre Afonso principiou a desmanchar a igreja, e logo pela porta principal, que fez mudar para o lado oposto! A mulher caiu das nuvens e toda ela se desbaptizava a malucar no que ia dar aquilo. Era de boas arnelas o Padre Afonso! Virou o templo, comprou-lhe boas alfaias religiosas e devotas imagens, dotando-o com uma torre povoada de sinos.


          Na altura em que o Padre Afonso punha o catavento no seu devido lugar, a mencionada Joana, incapaz de segurar a raiva, atirou-lhe com a rancorosa praga:

           – “Ah! Não cair ele dali abaixo!”
          Ouviu-a o Padre Afonso e não se assustou, pois não era pessoa atreita a medos. Homem de resposta na ponta da língua, “agradeceu” os votos dizendo:
         – “Vozes de burro não chegam ao céu”.
          De burra, ficava mais certo, mas o Padre Afonso deu de mão à gramática para respeitar o ditado.
(1)

          E o “galo” de latão lá ficou a indicar a direcção do vento no topo mais alto da torre. Muitos alqueidanenses se orientaram por aquele catavento, apesar dos impropérios de Joana, mulher da vida.

 

          CATAVENTO: Pessoa volúvel (inconstante, instável)

 

          A construção da estrada que liga Porto de Mós e o Alqueidão foi pau que serviu para a colher dos políticos vezes e anos sem conta. Em certas eleições, os Progressistas haviam conquistado, coisa rara da sua banda, um influente cacique Regenerador, natural da Vila, o qual se desunhava a enviar a sua influência no eleitorado alqueidanense.

         Querendo impor-se aos novos correligionários no próprio dia do acto eleitoral, deslocou-se ao Alqueidão em viagem de caçador de votos ainda a manhã andava por terra dos quintos. Sem vez que fizesse excepção, emparceirava com ele, nas urnas, Domingos José Correia, da Carreirancha. Foi, por isso,  a primeira porta a que bateu. Identificou-se mas sentiu grande amargo de boca ao verificar que o dono da casa o atendia sem sair da cama. Fazendo das tripas coração, diligenciou atraí-lo à fala, cara-a-cara. Nada! Domingos José Correia mantinha-se no quentinho do vale de lençóis. Face à inutilidade dos esforços, decidido a engodar a presa, o cacique atira-lhe o isco:
          – “Ó Sr. Domingos, desta vez é que vai…”
          – “Ah! Vai?!... Então deixá-lo ir…”
          – “Não é isso, Sr. Domingos… Desta vez é que a estrada vai até ao fim… É que eu já me “virei”… percebe?...”
          – “Então como o senhor se virou lá fora, eu viro-me cá dentro… Oiça, oiça: upaaa…”,
e acompanhando a significativa interjeição com o gesto, voltou-se para o outro lado, continuando o sono, depois da irónica resposta.
          O cacique, à vista de tão inesperado sufrágio, logo na abertura da sua intervenção emendou o sentido da caminhada e, ao som da farfalhada que faziam as esfiadas camisas do colchão de Domingos José Correia, dirigiu-se ao ponto de origem, passando à porta de outros correligionários antigos, sem dizer “água vai” ou à maneira de “cão por vinha vindimada
”… (1)
          Mais de um século depois desta história, o político “catavento” não desapareceu e no Alqueidão, como no concelho, todos conhecem o seu nome. Felizmente que já não há colchões de esfiadas camisas, mas a ironia do sr. Domingos mantém-se embora com gente menos "dorminhoca"...


(1) Episódio contado na monografia "Legado Alqueidanense", de Alfredo de Matos.

publicado por Joga às 00:01

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